Mortalha
terça-feira, 27 de abril de 2010
Qualquer coisa em “Estilo Mangá”: O lado bom e o lado (muito) ruim
Parece que muitas coisas andam sendo ressuscitadas, recicladas e ““convertidas”” (só duas aspas não bastam) em mangá. Há nove ou dez anos, o 'estilo mangá' não era algo que garantia sucesso e lucro. Muito pelo contrário. Eram pouquíssimas as pessoas que sabiam definir com exatidão o que era e o que não era mangá, e o próprio era muito mal visto e evitado pelos fãs de quadrinhos em geral - salvo raras exceções.
Nessa época, o mercado ainda não era muito bem 'alimentado' de obras japonesas -, e o momento foi muito propício para o surgimento de grandes - e talentosos - ícones do mangá brasileiro. A época era boa para quem desenhava e produzia histórias em mangá no Brasil, e foi bem aproveitada.
Hoje em dia, no entanto, com a importação de tantos mangás que invadiram e revolucionaram o mercado editorial brasileiro - e o surgimento de muitos fãs sedentos - muita gente anda querendo pegar uma carona no rabo desse cometa...
O surgimento de obras de qualidade bastante discutível vem tornando o gênero, de certa forma, sinônimo de oportunismo e desrespeito com o leitor. Editores têm abusado da possibilidade de publicar revistas com o chamariz do “estilo mangá”, para arrebanhar leitores desavisados. Eu me assusto sempre que acho algo novo desse tipo, nas bancas e livrarias, pensando que o público vai começar a ter uma visão muito errada do que é o mangá.
Mas não podemos tapar os olhos pelo menos alguns pontos positivos da experimentação do estúdio MSP: a Turma da Mônica Jovem.
Sendo sincero, no início achei uma idéia oportunista e que seria mal explorada, mas devo dizer que quando leio partes dos novos volumes me surpreendo. A qualidade gráfica e dos roteiros vêm melhorando. O estúdio parece ter investido para se aprofundar no estilo, e, apesar de às vezes tropeçarem, andam tentando não cair numa mesmice superficial do mangá como muitos - até mesmo a Marvel - já caíram...
Em certos aspectos, o sucesso foi claro. A primeira tiragem do primeiro volume, de 80 mil exemplares, esgotou em pouco tempo. A segunda tiragem foi de 230 mil exemplares – a maior para um primeiro volume de um projeto do estúdio. A partir daí, todos os volumes passaram a ter uma tiragem ainda maior. Só para se ter uma idéia: a tiragem média dos mangás japoneses publicados no Brasil é de 40-50 mil exemplares.
Isso prova que, em algum aspecto, a TMJ revolucionou, sim, o mercado editoral brasileiro de mangá.
Isso se deve, principalmente, ao fato de que a TMJ conquistou um público novo, distante dos fãs tradicionais do gênero. Quem compra a revista, em sua maior parte, não são os amantes do mangá, mas crianças, jovens e adultos que já eram compradores assíduos da Turma da Mônica. O que aconteceu foi que a revista se tornou uma “ponte”: seus leitores passam, aos poucos, a ler também outros mangás.
Talvez não caiba aqui discutir se a linguagem e a representatividade do mangá foram ou não bem entendidas pelo projeto, mas sim o fato de que isso marca o nascimento de um possível estilo tupiniquim de se fazer mangá.
Digo, em uma humilde opinião, que esse passo foi importante. Lembremos dos próprios japoneses, que uniram diversos estilos e 'digeriram' tudo aquilo dentro de sua própria cultura, para criar histórias em quadrinhos apropriadas para o seu mercado e seus leitores. Porque não fazer exatamente o mesmo, ao invés de somente sermos bombardeados pela cultura estrangeira?
Acho natural que leiamos os mangás japoneses, claro, assim como os japoneses liam - e ainda adoram ler - histórias em quadrinhos estrangeiras. Mas por que produzir histórias usando estritamente a mesma forma, a mesma narrativa, a mesma linguagem e muitas vezes a mesmíssima mensagem dos mangás nipônicos? Isso vai justamente contra a proposta do mangá.
É por isso que é bom que aconteça uma mistura do mangá com, por exemplo, uma obra tão importante do nosso mercado de quadrinhos, como a Turma da Mônica. Talvez não seja a mistura que mais dará certo, mas ela é muito melhor do que todas as outras publicações brasileiras “em estilo mangá” que vi até agora.
Talvez em breve tenhamos o surgimento, no Brasil, de um novo mangá, assim como já aconteceu na Coréia, nos Estados Unidos e na França, onde o estilo se mesclou aos traços, linguagens e conteúdos que mais agradavam aos seus leitores.
A França talvez seja o maior de todos os exemplos. Desenhistas e roteiristas descobriram que era possível misturar coisas aparentemente impossíveis de se misturar, como os quadrinhos japoneses, os quadrinhos europeus e a narrativa do cinema francês. Dali surgiu o que o mundo chama de “Nouvelle Manga”, algo novo e único.
Se os editores começarem a respeitar mais os leitores, com obras mais planejadas e executadas com mais tempo e cuidado, e darem ainda mais oportunidades e espaço aos nossos roteiristas e desenhistas, tenhamos algo semelhante acontecendo no Brasil...
Quem sabe.